John Hughes Forever

Por Fabiane Corrêa Monteiro

Este artigo é para os amantes da década de 80, como eu. Ignore-o se tiver aversão à década das cores cítricas e das ombreiras gigantes: isso é de menos quando analisamos as músicas e os filmes produzidos na época, mas, se, ainda assim, você insistir em ver apenas aquilo de que não se tem saudade, este texto não é para você.
É minha homenagem a John Hughes, o cineasta a que devo, de certa forma, essa minha paixão pelos filmes oitentistas: faço parte da geração que viu alguns de seus filmes já na década seguinte, quando estes eram exibidos à exaustão na Sessão da Tarde. Fui criança na década de 80, pouco me lembro dela. Devo a John Hughes (e aos seres responsáveis pela escolha dos filmes com que tornariam nossas tardes inesquecíveis) minha predileção pela época (e às bandas também, diga-se de passagem, mas isso é uma conversa para outra hora, embora seja inevitável que eu comente neste artigo sobre algumas...).
“John Hughes Forever” é uma referência a uma homenagem feita ao cineasta em 2001, no filme Não é mais um besteirol americano (que era apenas mais um besteirol americano sim, mas me deixou enlouquecida no cinema enquanto identificava as referências...). Alguns de seus filmes:

Curtindo a vida adoidado
O enredo deste clássico da Sessão da Tarde nada tem de espetacular, e talvez por esse motivo tenha se tornado tão popular: traz um garoto que, para se ver livre da escola, e passar o dia em Nova Iorque com a namorada e o melhor amigo, faz uso de uma série de artimanhas criativas a fim de convencer aos pais e ao diretor da escola em que estudava estar doente demais para ir a qualquer lugar. Politicamente incorreto, eu sei, mas Ferris Bueller é interpretado de uma forma tão cativante por Matthew Broderick que embarcamos juntos na Ferrari do pai de seu melhor amigo, e torcemos para que ninguém descubra sua farsa. 

A garota de rosa-shocking
A música que toca no início do filme já é um prenúncio da excelente trilha sonora que teremos: Pretty in pink, do Psychedelic Furs. Uma trilha perfeita para uma história que já nos encanta em suas primeiras cenas: a jovem interpretada por Molly Ringwald não vai para a escola sem antes acordar o pai, servir-lhe uma xícara de café e pedir que se arrume para procurar emprego. É a filha adolescente quem cuida do pai, ainda fragilizado, depois sabemos, porque a esposa os havia abandonado. Na sequência, percebemos que, na escola, a vida da protagonista também não é fácil: na divisão que claramente há entre os alunos, ela está no lado que restou aos “perdedores”, aqueles alunos que não têm dinheiro, e que pelos outros são tratados com escárnio e desprezo. Haverá um garoto no outro lado, no entanto, que não se importará com isso — pelo menos, não até seus amigos descobrirem seu interesse por uma “perdedora”, vergonhosamente cedendo às pressões do meio.

Clube dos cinco
Para entender o fascínio que esse filme ainda exerce sobre muitas pessoas, é preciso que primeiramente você traga à memória seus dias de adolescência; que você lembre como foi difícil ter que deixar de ser criança, como foi difícil entender e aceitar como as coisas funcionavam. Tendo conseguido fazer isso, você também conseguirá entender a complexidade deste filme aparentemente simples, no qual cinco adolescentes que nada pareciam ter em comum precisam passar um sábado em uma espécie de detenção escolar como punição por delitos que, revelados, muito dirão a respeito das tristezas e inquietações carregadas por cada personagem — um cérebro, um atleta, um caso perdido, uma princesa e um criminoso, como os próprios se identificaram na carta que precisaram escrever ao final da detenção. Entre eles, no entanto, havia mais em comum do que poderiam imaginar, e as reflexões que resultaram desta grande descoberta é que, para mim, fizeram deste filme um grande clássico.

Gatinhas e gatões
Também é preciso recordar os dilemas da adolescência para entender a protagonista deste filme, cujo aniversário é esquecido porque todos estão ocupados demais com os preparativos para o casamento de sua irmã — se nem mesmo a um adulto é fácil ser esquecido, ser deixado de lado, imagine para alguém que está prestes a completar 16 anos, essa idade em que importa tanto o que os outros pensam a nosso respeito e têm a dizer sobre nós...   

Quem vê cara não vê coração
Há um imprevisto e, por ironia do destino, é preciso que o tio interpretado por John Candy fique com os sobrinhos por um tempo, ainda que sua cunhada não tenha concordado muito com isso — a principal lição que esse tio ensinará para as crianças, no entanto, os pais não haviam sido capazes de ensinar a elas, especialmente para a sobrinha mais velha: nunca julgue uma pessoa sem antes conhecê-la, baseando-se apenas em sua aparência ou no que lhe disseram a seu respeito.

Esqueceram de mim
A velha história do menino esquecido pela família que todo Natal retornava à Sessão da Tarde para nos ensinar de uma vez por todas que nada é o que parece: quando as armadilhas de Kevin McCallister, o menino interpretado por Macaulay Culkin, não são mais suficientes para driblar os ladrões que rondavam sua casa, CONTÉM SPOILER será justamente “o assassino da pá de neve”, como era chamado pelos irmãos de Kevin um pobre homem que costumava ser visto na vizinhança colocando sal na neve, quem irá ajudá-lo. “Pode-se ser velho para muitas coisas, mas não para o medo”, confidencia-lhe o homem, ao revelar o conflito que o havia afastado de seu próprio filho e o que ainda o impedia de tentar uma reaproximação. A cena da reconciliação é linda, lembra o verdadeiro sentido do Natal.

Férias frustradas
Aquele que seria o primeiro de uma série de filmes baseados nas férias sempre desastrosas da família Griswold, nunca ocorridas conforme planejado.

Mulher nota 1000
Pode-se dizer que este filme é a versão de John Hughes para Frankenstein, uma versão na qual a “criatura” é a mulher ideal projetada em um computador pela mente criativa de dois meninos não muito populares na escola em que estudavam. Os dois assistem à adaptação cinematográfica de 1931 quando um deles tem a ideia, e o garoto interpretado por Anthony Michael Hall ainda faz uma citação à obra-prima de Mary Shelley. Além disso, na parte em que a moça ganha vida, é reproduzido o trecho do filme de 1931 em que Dr. Victor Frankenstein comemora o “sucesso” de seu experimento dizendo repetidas vezes “It’s alive!”, assim como referências a esse mesmo filme também são encontradas no clipe da música Weird Science (a canção da banda Oingo Boingo que fez parte da trilha sonora de Mulher nota 1000).   

Alguém muito especial
Aprendi com filmes como este algo muito importante acerca do universo masculino, certas coisas que já vinha percebendo na escola mas ainda não tinha conseguido entender: a exemplo de outro grande sucesso da Sessão da Tarde na década de 90, Admiradora secreta, temos um enredo pautado no interesse que os homens quando mais jovens geralmente desenvolvem pelas garotas mais populares da escola, na maior parte das vezes sem qualquer correspondência, mesmo tendo ao lado garotas por quem realmente valeria a pena lutar, munidas de outros valores e destoantes em relação às demais.  

Ela vai ter um bebê
Neste filme, Kevin Bacon faz o papel de um jovem recém-casado cuja esposa quer muito ser mãe. O processo de amadurecimento que vemos ocorrer naturalmente com ela, no entanto, não vemos ocorrer da mesma maneira com ele, é doloroso. Graças a esse filme, nunca mais consegui ouvir This woman’s work, de Kate Bush, sem chorar: toca em uma cena muito triste porém crucial para que o personagem vivido por Kevin Bacon entenda de uma vez por todas: precisava crescer. 




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