Remember me
Por Fabiane Corrêa Monteiro

Era janeiro de 2002. Eu tinha 19 anos e havia descolado um emprego temporário no qual minha função seria fazer o cadastro de moradores de minha cidade para que recebessem o cartão de identificação que o SUS pretendia exigir para que utilizássemos seus serviços. Receberia alguns centavos por formulário preenchido, mas não me importei com isso — para uma garota tímida que já havia ingressado na faculdade e ainda batalhava pelo primeiro emprego, já era alguma coisa.
Em meio às andanças que empreendia buscando cadastrar o maior número possível de pessoas, algo recorrente e triste me chamou a atenção: eram os idosos os mais atenciosos, aqueles que sempre me atendiam com um convite para entrar, um pedaço de bolo, uma xícara de café, pois não se importavam com o tempo que teriam a perder comigo, contanto que alguém finalmente pudesse ouvir tudo aquilo que tinham para contar. Havia uma carência muito grande por trás disso, eu sabia, e saber a respeito era o que mais me deprimia, mas foi uma experiência muito importante para a minha vida, porque passei a ter um olhar mais atento e cuidadoso à velhice depois disso, o mesmo olhar atento e cuidadoso lançado à velhice em duas animações nas quais é a Pixar quem “nos convida para entrar”.

Up – Altas aventuras
Milhares de balões levam a casa deste velhinho viúvo e solitário para o lugar com que desde criança sua esposa havia sonhado, o Paraíso das Cachoeiras. A fuga, porque uma bengalada havia feito com que as autoridades locais tentassem colocá-lo em um asilo. A bengalada, porque uma pessoa invasiva, como todas aquelas que ultimamente cercavam sua casa, havia derrubado sua caixa de correio. Uma empreiteira havia comprado e derrubado todas as casas ao seu redor e funcionários insistiam para que ele vendesse também a sua. Este velhinho, desta forma, estava defendendo aquilo que era seu: a casa na qual vivia há tanto tempo, lembrança viva de sua amada esposa da qual não queria se desfazer. Para mim, há uma simbologia muito forte em tudo isso: o velho, para muitos, não tem serventia alguma e precisa ser descartado; sua casa, mesma coisa, não tem valor algum; já empreiteiras como aquela, para a maioria, representam o novo, o progresso, sempre muito bem-vindo, mesmo que por tudo passe feito um trator. 

Viva – A vida é uma festa
Este menino tem a música em suas veias, mas a família não quer que se envolva com isso devido a uma grande mágoa carregada por gerações. Quando transportado ao mundo dos mortos, no entanto, ele tem a chance de conhecer alguns de seus antepassados, e descobrir tudo que desejava saber acerca de suas origens. Parece-me ser a memória o grande tema deste filme, a importância de se manter viva a história daqueles que vieram antes de nós: no outro mundo, os mortos deixam de existir quando esquecidos, por isso o menino precisa fazer com que a bisavó lembre-se do pai, esta velhinha que sofre de Alzheimer, o que só acontece quando os primeiros versos de uma canção composta pelo pai para ela são identificados, Remember me — restabelecendo-se a memória, restabeleceu-se o vínculo.


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