Sobre a crueldade humana: Dois filmes emblemáticos sobre crimes contra a
inocência
Por Fabiane Corrêa
Monteiro
“Sabe,
às vezes eu acho que nós três entramos naquele carro.
E tudo
isso é apenas um sonho. A realidade é que ainda somos aqueles meninos de 11
anos trancados em um porão, imaginando o que as nossas vidas teriam sido se
tivéssemos escapado.” Sobre meninos e lobos
“Eu tinha 14 anos
quando fui assassinada no dia 06 de dezembro de 1973”, reproduzia a postagem
compartilhada pela página Adoro Cinema no Facebook, contendo uma foto de uma
menina ruiva de olhos claros, Susie Salmon, a narradora-protagonista de um
filme a que, dentro de algumas horas, seria apresentada, Um olhar do paraíso.
Foi uma frase certeira:
do trailer pulei ao filme naquele mesmo dia. No longa, a menina caminha em
direção a sua casa quando é atraída por um vizinho até um lugar que havia
preparado especialmente para matá-la. Depois disso, temos toda a reviravolta que
a crueldade de seu assassinato provoca em seus familiares enquanto,
espiritualmente, sua alma permanece em um limbo entre o céu e a terra à espera
de justiça. Temos, ainda, a inquietante interpretação de seu algoz, que chegou
a render ao ator Stanley Tucci uma indicação ao Oscar de melhor ator
coadjuvante. Não deve ser fácil, penso eu, dar vida a um pedófilo psicopata,
tanto que o ator, buscando evitar que sua imagem acabasse vinculada à imagem do
criminoso assassino, pediu que sua caracterização o deixasse o mais diferente
possível.
Susie Salmon, a narradora-protagonista de Um olhar do paraíso.
Lembrei-me inevitavelmente
de outro filme a que havia assistido, Sobre meninos e lobos, longa de Clint
Eastwood em que temos o destino de três meninos marcado por um episódio de
abuso semelhante ao que ocorre também em Um olhar do paraíso: Sean, Jimmy e
Dave eram crianças e brincavam na rua quando dois homens em um carro se
aproximaram, convencendo um dos meninos a entrar no veículo sob o pretexto de levá-lo
para casa como punição por ter começado a escrever o nome no cimento ainda
molhado de uma calçada. O menino, que passa quatro dias preso em um cativeiro, sofrendo
abuso, consegue escapar. Já adulto, torna-se o principal suspeito da morte da
jovem filha de um dos amigos: atacado por lobos, havia, para os amigos, se
transformado em um deles.
O menino Dave, prestes a viver o pesadelo que mudaria sua vida para sempre.
De certa forma, quando
uma criança tem sua inocência violada e destruída, é como se entrasse em um
carro daqueles para nunca mais voltar: ainda que volte, nunca mais será a
mesma. “Dave está morto! Eu não sei quem saiu daquele porão, mas, certamente, não
foi o Dave!”, diz o próprio, para a esposa. CONTÉM SPOILER Acaba morto por um
crime que não cometeu, desfecho trágico que intensifica a sensação de injustiça
e impunidade que nos acompanha durante o filme, mais ou menos como a sensação
de injustiça e impunidade que nos acompanha a vida inteira diante de tantos
crimes que acontecem para além da ficção.
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