Ao
mestre, com carinho
Por Fabiane Corrêa Monteiro
"Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Tudo bem, seja o que for
Seja por amor às causas perdidas"
Engenheiros do Hawaii
(Dom Quixote)
Assustei-me,
dia desses, ao perceber estar prestes a completar dez anos em sala de aula
— mesmo tendo concluído a faculdade dois
anos antes, considero 2009 o ano no qual
oficialmente minha carreira docente iniciou-se: foi quando, chamada por ter
passado no concurso da Prefeitura de Parobé, deixei a casa de meus pais para
exercer a profissão com a qual tanto havia sonhado; foi quando, em poucos dias
ciente de tudo que teria a enfrentar, descobri que minha permanência na
profissão exigiria de mim a luta que desde então tenho travado buscando impedir
que a realidade destrua completamente o que restou daquele sonho tão
ingenuamente abraçado aos 18 anos, uma luta ingrata e, por vezes, muito
solitária.
É
provável que você esteja pensando “deixe a escola então”. Todos nos dizem isso.
Parece o certo a se fazer quando não estamos satisfeitos, eu sei, mas todo
professor é dotado de uma teimosia quase quixotesca: não há humilhação,
violência ou descontentamento que o façam desistir — na educação, quando um
cavaleiro entrega suas armas, é porque já acumula milhas e milhas de tristeza
em seu coração e suas armaduras já não o protegem mais.
Todos
os filmes que listarei abaixo envolvem professores desafiados de alguma forma
pela profissão. Mesmo o mais triste dos títulos serviu-me de fonte de
inspiração.
Ao mestre, com
carinho
Sidney
Poitier em um de seus melhores papéis, o professor Mark Thackeray. Seu desafio,
uma turma muito difícil. “Enquanto parto, sei que me afasto de meu melhor
amigo. Um amigo que a mim ensinou o que é certo e errado, como agem os fortes.
É muito para se aprender. O que posso lhe dar em troca?”, diz a letra de uma
canção cantada por uma aluna a ele em uma homenagem realizada ao final. A cena
é linda, e a música cantada pela garota tornou-se um clássico. Um clássico que,
trinta anos depois, na sequência de 1997, torna a ser cantado ao professor: prestes
a se aposentar, Mark Thackeray retorna àquela mesma escola para uma última
homenagem.
Meu mestre,
minha vida
Morgan
Freeman vive o professor que neste filme tem o desafio da assumir a direção de
uma escola em ruínas, provocando mudanças significativas, inclusive, no
desempenho dos alunos em uma prova aplicada pelo estado para testar e avaliar a
qualidade do ensino que a eles estava sendo oferecido. Na foto, a cena da
reunião em que, sob protestos, informa à comunidade algumas das medidas
drásticas que precisará tomar. Ele também cobra que os pais participem mais da
aprendizagem dos filhos, ajudando-os nos estudos, o que achei bárbaro, já que é
realmente muito importante que os pais e responsáveis participem.
Sociedade dos
poetas mortos
Carrego
até hoje alguns dos ensinamentos deste professor de Literatura vivido por Robin
Williams, chegando a reproduzi-los, quando tenho a oportunidade, em sala de
aula. Dentre suas maiores lições, aquela deixada pelos poetas da Antiguidade e
retomada pelos classicistas e neoclassicistas: a necessidade de aproveitarmos a
vida antes que seja tarde, já que um dia todos seremos “alimento para os
vermes”, tema de aula fantástica na qual há a análise de um poema a respeito e
o professor pede aos meninos que observem retratos contendo inúmeros estudantes
que por aquela instituição haviam passado e com certeza já “fertilizavam
narcisos” — estavam mortos.
O sorriso de
Monalisa
Essas
meninas tinham como único objetivo na vida casar e ter filhos, até a chegada de
uma professora de História da Arte para quem havia um universo de infinitas
possibilidades e a vida de uma mulher não precisava ser dedicada exclusivamente
ao casamento e aos filhos — transgressão para a época que resultaria no
estabelecimento de uma porção de condições para que na instituição
permanecesse, às quais a professora vivida por Julia Roberts decidiria não se
submeter.
Mentes perigosas
O
desrespeito com que a professora interpretada por Michelle Pfeiffer é tratada pelos alunos em seu primeiro dia de aula já nos transmite um recado
eloquente acerca da realidade enfrentada pela maioria dos professores:
infelizmente turmas como a deste filme são mais comuns do que se possa imaginar,
especialmente quando compostas por alunos que cresceram em ambientes hostis,
onde a miséria e a violência são dominantes e as oportunidades oferecidas pelo
crime parecem mais atrativas que as oferecidas pela educação — “Sou o tipo de
gangster que os garotos querem ser”, não por acaso diz a canção gravada pelo
rapper Coolio para a trilha sonora deste filme.
Escritores da
liberdade
A luta contra a intolerância torna-se a
principal bandeira desta professora interpretada por Hilary Swank, quando percebe que nenhum trabalho poderá
ser realizado sem que antes os preconceitos raciais que tanta violência entre
os alunos têm provocado sejam combatidos. A ideia que tem, para tanto, é
genial: ao reconhecer em um desenho depreciativo compartilhado entre os alunos o
mesmo tipo de desenho ofensivo que compartilharam os nazistas depreciando
judeus durante a Segunda Guerra, ela passa a explorar o tema, ao mesmo tempo em que propõe a cada aluno que em
um diário passe a registrar suas vivências, como no
diário que leria com a turma, o famoso registro deixado pela menina Anne Frank. Iniciativas como uma saída de campo ao Museu do
Holocausto seguida de um encontro com sobreviventes dos campos de concentração são
realizadas, e pouco a pouco o trabalho desta professora vai modificando a vida
destes alunos.
Como estrelas na
terra
Este
professor encantador foi o único a perceber nas limitações desta criança o que
nem mesmo os pais haviam percebido: tinha dislexia, por isso tanta dificuldade
para ler e escrever, para brincar e interagir. Foi o único a perceber também o
sofrimento do menino, as marcas profundas que haviam deixado as humilhações
pelas quais havia passado e a tristeza que havia sentido quando afastado da
família para que um internato talvez resolvesse “seu problema”.
O triunfo
Mais
um filme dedicado à teimosia de um grande professor, devido às transformações
que resultaram de sua persistência. Seu triunfo, fazer com que uma turma indisciplinada
se dedicasse aos estudos e obtivesse excelentes resultados inclusive nos exames
estaduais.
Além da sala de
aula
O
desafio desta professora recém-formada e sem qualquer experiência, vivida por
Emily VanCamp? Trabalhar em um abrigo para moradores de rua tendo uma sala
caindo aos pedaços, que estremecia sempre que o trem perto do local passava,
alguns livros velhos em um armário, quadro negro e giz. O choro com que chega
em sua casa ao final de seu primeiro dia de aula? Apenas a prova concreta de
que havia sido apresentada oficialmente à profissão.
Entre os muros
da escola
Não
espere encontrar um desfecho redentor quando assistir a este longa francês: de
todos que listei, este é o filme mais triste, pois todos os esforços empenhados
por este professor resultam inúteis perante a insolência e o desrespeito com
que os alunos parecem o tempo inteiro ter a necessidade de confrontá-lo. Muitas
das frustrações relacionadas à profissão estão reunidas nesta película, que,
não por acaso, encerra-se com um desgastante caso de expulsão resultante de indisciplina
escolar e a inquietante declaração de uma menina que revela nada ter aprendido
durante o ano letivo. Tudo que mais queremos de nossos alunos é que aprendam, que
não se contentem com migalhas e que se tornem pessoas melhores. É triste ter de
reconhecer isso, mas às vezes tenho a impressão de que estamos falando às
paredes.
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